sexta-feira, 22 de novembro de 2019

22 de janeiro de 2018.


Eduardo,


Um dia fomos grandes amigos, e em nome dessa amizade é que resolvi escrever-lhe.

Vou e volto no tempo tentando encontrar o momento do erro cometido por nós. Consigo criar (recriar) todas as cenas, com riqueza de detalhes. Sou capaz de distinguir datas, aromas, sabores, temperaturas experimentados desde o dia em que conheci você. 
Caminho todos os nossos percursos, sem mesmo levantar-me da cama. Se olho para a janela, vejo a nossa história tal como se passou. Janela é tela de cinema, onde assisto a um filme pela enésima vez, mas que ainda me emociona.
Onde foi que nos perdemos?
Como você pôde ter deixado eu sair daquele restaurante sozinha, dolorida? Como conseguiu ficar lá? Teve apetite para almoçar, ainda?
Tento entrelaçar a teia com as pontas da linha do tempo, ligando o dia em que conheci você ao dia em que me levantei daquela mesa, quase derrubando os pratos, e deixei aquele lugar correndo, chorando, destruída... Falta alguma coisa para que essas duas pontas se encaixem, não consigo estabelecer conexão.
Você deixou que eu me fosse, Eduardo. Ficou parado, distante, insensível ao meu desespero. E eu me fui.
Quero voltar a lhe escrever. Exercitar a memória, registrar as loucuras, todas elas, antes que eu envelheça, esqueça, e morra sem me lembrar.
Nós nos amamos, não foi, Eduardo? Ou terá sido tudo aquilo apenas uma grande confusão entre amigos que se amavam?
Mas meu amigo Eduardo não teria me deixado partir...
Queria cortar aquela cena dos meus pensamentos, Eduardo. Sofro demais pensando nela.
Espero que esteja bem.
Letícia.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

20 de agosto de 2017.


Querida Fabíola,

Volte para casa.
Escrevo-lhe esta carta deitado no leito do hospital observando, simultaneamente, o meu pé enfaixado. Não vejo a hora de sair deste lugar.
Minha cama fica próxima à janela. O quarto onde estou fica no segundo andar. E a janela, de frente para o portão de entrada. Deixe-me descrever o que vejo, daqui. Se você ainda não jogou esta carta fora, vai gostar do que ler.
O hospital parece ser do século passado. E a entrada é a coisa mais linda! O musgo tomando conta dos muros, as pedras que compõem o muro, e ainda podem ser vistas, as pedras do chão - trabalho de escravos, o verde que cresce entre essas pedras, também... Há árvores por todo o pátio! E as que deram flores no inverno enchem o chão de cor. Daqui consigo perceber pelo menos uns quatro tons diferentes. Os portões são daqueles de ferro, antigos, pesados e enferrujados, o que os tornam ainda mais bonitos. Fabíola, você precisava ver isso!
Volte para casa.
Volte para casa.
Descrevi a entrada do hospital pra lhe pedir para voltar para casa.
Meu pé enfaixado já me deu os sermões necessários. Até a enfermeira já brigou comigo. O nome dela é Vera, e ela quer conhecer você. Ela me disse que eu fiz algumas besteiras (na verdade, ela disse que eu fiz muitas besteiras), mas também disse que mereço perdão.
Volte para casa, Fabíola. Vou sair deste hospital com o pé curado, e com coração doente: preciso de você!
Promete pensar no meu pedido?

Com amor,
Felipe.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

19 de setembro de 2019.

                                                                                                                                    Querida Lavínia,

Já estive diante de papéis como este por várias vezes. Há muitos deles jogados ao chão, pois poucos acertei na lixeira.
Na verdade nunca sei por onde começar, os dias estão passando bem diante da janela do meu quarto (amanhece, anoitece, amanhece...), busco palavras, não encontro, não encontro!
Já tentei ser formal, informal, até que decidi ser eu mesmo, Bem, eu já respirei fundo tantas vezes, que me falta fôlego. Somos amigos, não somos? Você me conhece, não conhece? Então, posso ser eu mesmo (acho que já escrevi isso - que droga!).
Todas as aulas na escola seriam normais. Sem graça, sem gosto, sem cor, como a escola é. Tudo o que acontece naquela sala de aula onde estudamos não teria importância alguma na minha vida, não fosse o fato de eu estar, hoje, preso, completamente, ao seu jeito de colocar a mecha de cabelo atrás da orelha direita. Graças a Deus sento ao seu lado direito!
Como alguém pode resistir a tamanha doçura? É certo que o seu rosto combinava perfeitamente com aquela franjinha sobre a testa. Mas aí você resolveu deixar o cabelo crescer. Disse pra mim, num recreio desses, que pintaria o cabelo de rosa, rimos muito, porque sei que não faz o seu estilo (não faz o nosso estilo, não é?)...
Seu cabelo está crescendo, e retirar a franja com a mão direita, envolvendo a orelha... Ah, Lavínia, você não sabe o que isso está fazendo comigo!
O Magneto está me olhando, aqui. É a estampa do meu mouse pad. Ele me encoraja. Isso é engraçado. E é segredo, viu?
Olha, vou precisar parar a carta por aqui. Acredito ter dado um grande passo, são tantas coisas para dizer! Mas vou colocar esta cartinha dentro de algum dos seus livros da escola, e esperar que você a encontre, e que a leia. Enquanto isso, somos os mesmos grandes amigos. 
Quando você ler, deixe-me saber. Você saberá como fazer isso, eu sei (puxa, quanto emprego do verbo saber!!!).
Acho que estou ficando nervoso de novo. Vou parar por aqui e recolher as bolinhas de papel, antes que minha mãe me mate!
Seu amigo,
Rafael.